Relatório da SPARC alerta Universidades sobre riscos de perda do controle de dados

O relatório Análise de cenário – A mudança na indústria editorial acadêmica – Implicações para instituições acadêmicas (em inglês Landscape Analysis – The changing Academic Publishing Industry – Implications for Academic Institutions – March 2019) [1] destina-se a fornecer aos líderes do ensino superior uma análise das estratégias dos principais agentes comerciais no domínio da infraestrutura de dados e conteúdos acadêmicos e científicos, as implicações dessas estratégias, e um conjunto preliminar de possíveis diretrizes que as instituições educacionais podem adotar para garantir resultados consistentes com seus próprios valores e objetivos.

O documento foi editado pela SPARC (Scholarly Publishing and Academic Resources Coalition), uma coalizão global que trabalha para permitir o compartilhamento aberto de produtos de pesquisa e materiais educacionais, para democratizar o acesso ao conhecimento, acelerar a descoberta e aumentar o retorno social e econômico do investimento coletivo em pesquisa e educação. Como um catalisador para a ação, a SPARC se concentra em promover mudanças na infra-estrutura e na cultura necessárias para abrir o padrão de pesquisa e educação.

Um cenário em transformação

Vinte e poucos anos na distribuição on-line de conteúdos e mais de trinta anos desde a primeira edição digital disponibilizada comercialmente, a indústria editorial acadêmica está experimentando um processo maciço de adaptação.

A publicação científica está passando por uma grande transição, um momento no qual alguns dos grandes fornecedores de informação  como Elsevier, Springer Nature, Wiley, Cengage, Clarivate Analytics, etc. estão migrando do foco no conteúdo para a centralização na análise de dados. Isto é evidenciado por uma mudança no mix de produtos que eles estão vendendo para as instituições de ensino superior, um mercado em expansão para além das revistas e livros didáticos para incluir sistemas de avaliação de pesquisa, ferramentas de produtividade, sistemas de gestão de aprendizagem on-line – uma infra-estrutura complexa que é fundamental para a condução dos negócios das universidades.

Do fornecimento de conteúdos para a análise de dados

Os principais fornecedores de informação acadêmica e científica estão se transformando de provedores de conteúdo em empresas de análise de dados, adicionando maneiras de gerar receita. Nenhuma dessas empresas mostra qualquer inclinação em abandonar seus negócios tradicionais e por razões sólidas: precisam sustentar sua lucratividade. Além disso, sem conteúdo essas empresas teriam uma tarefa muito mais difícil para criar ofertas de dados confiáveis. Mas as equipes de gerenciamento dessas empresas enxergam claramente o futuro ligado ao fornecimento de dados e serviços de análise de dados aos seus respectivos clientes, em vez de cultivar apenas o core business tradicional.

Por meio do fornecimento contínuo desses serviços, essas empresas podem influenciar estrategicamente, e talvez exercer controle, sobre as principais decisões das universidades – desde a avaliação do aluno, a integridade da pesquisa, até o planejamento financeiro. Dados sobre alunos, corpo docente, resultados de pesquisa, produtividade institucional e muito mais, potencialmente, representam um enorme valor competitivo. Representam um mercado potencialmente multibilionário (talvez multi-trilhão, quando o valor da propriedade intelectual é levada em conta), mas sua captura e uso poderiam reduzir significativamente os direitos das instituições, dos seus dados e da propriedade intelectual relacionada. Isso significa que a comunidade acadêmica poderia perder o controle sobre vastas áreas de suas atividades principais.

Um conjunto de empresas está se movendo agressivamente para capitalizar esses dados, freqüentemente explorando a natureza descentralizada das instituições. 

Implicações para as Universidades

Essa mudança ainda está em seus primeiros dias. Mas as instituições já devem estar atentas e preparadas para adotar, tanto individual como coletivamente, mecanismos para limitar os potenciais danos, que podem incluir a revisão das políticas de dados existentes, negociação para assegurar a propriedade institucional dos dados e infra-estrutura, e estabelecer termos e condições de exploração de dados, propriedade intelectual e resultados de investimentos em pesquisa.

Essas políticas podem exigir que as instituições mantenham a propriedade dos dados, que os termos e condições dos contratos com os fornecedores não estejam cobertos por acordos de não divulgação (por exemplo, contratos abertos). Isso inclui manter os algoritmos utilizados pelos fornecedores totalmente transparentes, o que resulta na portabilidade dos dados (ou seja, que as instituições mantêm o direito de séries históricas de produção, para facilitar a mudança para outros fornecedores), que os dados não sejam revendidos a terceiros (ou ao menos que não sejam revendidos sem o consentimento explícito da instituição) e que os conjuntos de dados considerados particularmente sensíveis não sejam entregues a agências governamentais sem primeiro recorrer a um tribunal apropriado, etc. 

A mitigação de riscos requer decisões organizacionais apropriadas. Algumas instituições podem optar por grupos de coordenação ou forças-tarefa, enquanto outras podem decidir que os presidentes ou reitores nomeiem indivíduos encarregados de emitir políticas de dados, monitorar a execução, ajudar escritórios individuais a negociar com os fornecedores e julgar possíveis conflitos de interesse.

Um segundo conjunto de soluções exigirá que as instituições individuais decidam, entre os muitos trade-offs. Por exemplo, usando a análise de dados para impulsionar o processo de admissão é mais barato do que contratar uma grande equipe e as instituições podem escolher diferentes níveis de intervenção humana para equilibrar seus orçamentos e prioridades. Similarmente, instituições de pesquisa devem equilibrar uma política agressiva de exploração comercial de propriedade intelectual para complementar o financiamento com demandas de independência do corpo docente e financiamento de pesquisa básica e disciplinas com vantagens comerciais limitadas. 

Conclusão

Em conclusão, os autores do relatório acreditam que ainda há tempo para a comunidade acadêmica atuar, e agora é a hora de fazê-lo. Ao realizar um balanço da situação, fazendo as perguntas certas e escolhendo o rumo apropriado de ação, a comunidade acadêmica pode se prevenir para não ficar em uma posição onde será obrigada a seguir um caminho fora de seu controle e prejudicial ao seu futuro.

== Referência ==

[1] ASPESI, C. et al. Landscape Analysis – The changing Academic Publishing Industry – Implications for Academic Institutions. SPARC, March 2019. Disponível em: https://sparcopen.org/our-work/landscape-analysis/ Acesso em: 20 maio 2019. 

Creative Commons Attribution 4.0 International License.