Milhares de cientistas publicam um artigo a cada cinco dias

Para destacar as normas incertas na autoria, John P. A. Ioannidis, Richard Klavans e Kevin W. Boyack identificaram os cientistas mais prolíficos dos últimos anos. Esta matéria baseia-se nesse estudo intitulado: Thousands of scientists publish a paper every five days [1] e na matéria ‘Hyperprolific’ academics ‘don’t meet author criteria’ [2].

O estudo desenvolvido por John P. A. Ioannidis, Richard Klavans e Kevin W. Boyack sobre os autores científicos mais prolíficos do mundo sugere que muitos dos que alcançam um número “implausível” de artigos a cada ano provavelmente têm um envolvimento limitado e não atendem aos critérios tradicionais de autoria. 

A pesquisa foi realizada na Base de Dados Scopus da Elsevier pelos três pesquisadores, a partir do seguinte parâmetro: autores que publicaram mais de 72 artigos (o equivalente a um artigo a cada 5 dias) em qualquer ano entre 2000 e 2016. Foram identificados mais de 9.000 indivíduos, autores de “artigos completos” – artigos, artigos de conferências, comentários e resenhas substantivas – não editoriais, cartas ao editor e afins. Isso equivale a publicar um artigo a cada cinco dias – “um número que muitos considerariam implausivelmente prolífico”, afirmam os autores que enfatizam que não havia “nenhuma evidência” para sugerir que tais autores estavam agindo de forma fraudulenta. De qualquer modo, o número de autores hiperprolíficos vem aumentando ano a ano. O número de autores hiperprolíficos cresceu cerca de 20 vezes entre 2001 e 2014 e segue em crescimento, ainda que tenha estabilizado: em 2016 o número total de autores aumentou em 2,5 vezes.

Isso os levou a questionar se a definição de autoria havia mudado nos últimos anos. Os resultados sugerem que alguns campos ou equipes de pesquisa operacionalizaram suas próprias definições do que significa autoria. 

Foram excluídos da amostra os cientistas que publicaram em Física – respondendo por 7.888 registros de autores (86%) “hiperprolíficos”, já que projetos em física de alta energia e partículas são tipicamente feitos por “grandes equipes internacionais que podem ter mais de 1.000 membros”. Do que restou, 909 registros de autores eram nomes chineses ou coreanos. Como a base Scopus desambigua imperceptivelmente nomes chineses e coreanos, estes podem ter combinado erroneamente indivíduos distintos. Para 2016 (quando a desambiguação melhorou para nomes chineses e coreanos), pelo menos 12 e possivelmente mais de 20 dos autores baseados na China eram hiperprolíficos, o maior número em qualquer país em 2016. Devido aos problemas de desambiguação, esses nomes foram excluídos de análises posteriores, bem como nomes de grupos e casos nos quais erros foram identificados como notícias jornalísticas classificadas como artigos completos, entradas duplicadas ou documentos de conferências com erros de atribuição a um organizador.

Aos 265 autores restantes no pool, foram enviadas mensagens por e-mail com o seguinte questionamento: como chegaram a esse nível extremamente produtivo? As 81 respostas continham os seguintes “motivos”: trabalho árduo; amor pela pesquisa; orientação de muitos jovens pesquisadores; liderança de uma equipe de pesquisa, ou mesmo de muitas equipes; extensa colaboração; trabalhando em múltiplas áreas de pesquisa ou em serviços essenciais; disponibilidade de recursos e dados extensos adequados; culminação de um grande projeto; valores pessoais como generosidade e compartilhamento; experiências crescentes; e dormir apenas algumas horas por dia. Os autores do estudo observaram que alguns autores pareciam tornar-se hiperprolíficos ao se tornarem professores titulares, chefes de departamento ou ambos. É comum e talvez esperado que cientistas que assumem papéis de liderança em grandes centros acelerem sua produtividade. 

Cerca de metade dos autores hiperprolíficos estavam nas ciências médicas e da vida (medicina n = 101, ciências da saúde n = 11, cérebro n = 17, biologia n = 6, doenças infecciosas n = 3). Quase dois terços dessas publicações eram de trabalhos apresentados em conferências (86/131). Entre os 265, 154 autores produziram mais do que o equivalente a um paper a cada 5 dias durante dois ou mais anos-calendário; 69 o fizeram por 4 ou mais anos. 

Dos 265 autores hiperprolíficos examinados, 50 estavam nos EUA – um número proporcional em relação à participação do país na ciência publicada – enquanto 28 eram da Alemanha e 27 eram do Japão, ambas nações que estavam super-representadas. Havia também autores hiperprolíficos na Malásia (n = 13) e na Arábia Saudita (n = 7), países conhecidos por incentivar a publicação com recompensas em dinheiro. 

Os autores hiperprolíficos também tendiam a agrupar-se em instituições particulares, muitas vezes como parte de um estudo comum. Por exemplo, a Erasmus University Rotterdam, na Holanda, teve nove autores hiperprolíficos, mais do que qualquer outra instituição. Sete deles são co-autores principalmente de artigos relacionados ao estudo de Rotterdam, um projeto epidemiológico de quase 30 anos, ou seu sucessor do estudo Generation R, que seguiu múltiplos parâmetros de saúde em milhares de adultos mais velhos e rendeu milhares de publicações. Cinco pesquisadores hiperprolíficos da Universidade de Harvard, em Cambridge, Massachusetts, também frequentemente são co-autores de artigos relacionados. Onze autores hiperprolíficos de diferentes instituições estavam à frente do projeto europeu de investigação prospectiva sobre câncer e nutrição; outros grandes estudos epidemiológicos também foram identificados. Autores hiperprolíficos também estavam concentrados em cardiologia e cristalografia. 

O impacto da citação de autores hiperprolíficos era geralmente alto, mas havia grande variabilidade: com uma mediana de 19.805 citações por autor (variação: 380 a 200.439). O autor mais prolífico foi o cientista de materiais Akihisa Inoue, ex-presidente da Universidade Tohoku em Sendai, cujo nome aparece em 2.566 artigos publicados desde 1976. Ele também retirou sete artigos considerados autoduplicações de trabalhos publicados anteriormente. 

Os autores do estudo então se dedicaram à amostra restante para avaliar a frequência com que um conjunto de critérios tradicionais de autoria, conhecidos como critérios de Vancouver [3] eram atendidos. O Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas não considera supervisão, tutoria ou obtenção de fundos suficientes para a autoria. Essas diretrizes, elaboradas pelo Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas em 1988, afirmam que os autores devem atender a quatro critérios. 

Critérios de Vancouver 

(a) Apresentar contribuições substanciais para a concepção ou desenho do trabalho; ou a aquisição, análise ou interpretação de dados para o trabalho; E
(b) Ajudar a escrever ou elaborar o manuscrito ou ainda revisá-lo criticamente com relação a conteúdo intelectual importante; E
(c) Aprovar a versão final a ser publicada; E
(d) Assumir a responsabilidade por todos os aspectos do trabalho, assegurando que as questões relacionadas à precisão ou integridade de qualquer parte do trabalho sejam devidamente investigadas e resolvidas [3].

Dos 81 respondentes, 27 informaram sobre o atendimento aos critérios de autoria de Vancouver. Dezenove dos 27 admitiram que não haviam cumprido pelo menos um dos critérios em mais de 25% do tempo, enquanto 11 disseram não ter aplicado dois ou mais desses critérios. Havia grandes diferenças, “mesmo entre equipes trabalhando dentro do mesmo campo”, sobre o que constituía a autoria. Apesar de dizer que ainda acredita que um autor deve preencher os critérios de Vancouver, o professor Ioannidis afirma que “as descobertas enfatizam a necessidade de encontrar maneiras de “atribuir crédito adequado a pessoas que fazem um trabalho importante, mas que não atendem a definições clássicas de autoria”.

              “Regras idiossincráticas de autoria parecem ter sido estabelecidas em vários campos, mas devem ser transparentes e  consistentes. “Precisamos encontrar maneiras de respeitar todas as contribuições …” John P.A. Ioannidis

Respostas à pergunta “O que, em suas próprias palavras, você acha que deveria ser exigido para a autoria?” Geralmente refletia um requisito para “contribuições significativas”, mas também a insatisfação com a forma como a autoria era avaliada. Um cientista disse: “Eu pessoalmente não os conto como ‘meus documentos’ e não os tenho no meu currículo como tal, pois há uma distinção entre ser ‘autor nomeado’ versus autoria ‘membro do consórcio'”. Outro observou que a autoria era frequentemente concedida para a antiguidade e outra que melhores distinções eram essenciais. “Acho que deveria haver níveis de autoria – e não aqueles implícitos na ordem!” As normas de autoria podem variar dentro de cada campo e até dentro de cada equipe. 

Ainda segundo os autores do estudo, a métricas amplamente utilizadas de citação e impacto devem ser ajustadas. Por exemplo, se a adição de mais autores diminuísse o crédito recebido por cada autor, a multi-autoria injustificada poderia diminuir. Os 30 autores hiperprolíficos que mais se beneficiaram da co-autoria foram 6 cardiologistas e 24 epidemiologistas (incluindo aqueles que trabalham em estudos de genética populacional). 

Concluindo, os autores do estudo admitem que o trabalho de identificação dos autores hiperprolíficos foi realizado “grosseiramente”. É necessário mais trabalho para explorar a melhor forma de normalizar esses dados e qual é o nível ideal de normalização: por exemplo, ajustando para uma equipe de pesquisa altamente específica, de área relativamente estreita. Os autores do estudo prenunciam que será interessante monitorar como as inovações na atribuição de crédito, como a citação de dados ou taxonomias de contribuições formais do autor, irão alterar as convenções de autoria. Eles admitem que pode haver sim alguns cientistas mais enérgicos e excelentes. Porém, definições frouxas de autoria e uma tendência infeliz para reduzir as avaliações à contagem de documentos e citações podem estar afetando o modo como a produção científica é avaliada.

== REFERÊNCIAS ==

[1] IOANNIDIS, J.P.A.; KLAVANS, R.; BOYACK, K.W. Thousands of scientists publish a paper every five days. Nature, v. 561 n.7722, p. 167-169. Sept. 2018. doi: 10.1038/d41586-018-06185-8. https://www.nature.com/articles/d41586-018-06185-8

[2] PELLS, R. ‘Hyperprolific’ academics ‘don’t meet author criteria’. Times Higher Education Blog, Sept. 14th 2018. Disponível em: < https://www.timeshighereducation.com/news/hyperprolific-academics-dont-meet-author-criteria-study > Acesso em: 15 set. 2018. 

[3] INTERNATIONAL COMMITTEE OF MEDICAL JOURNAL EDITORS. Defining the Role of Authors and Contributors. Disponível em: <http://www.icmje.org/recommendations/browse/roles-and-responsibilities/defining-the-role-of-authors-and-contributors.html> Acesso em: 15 set. 2018.

Updated on 17 Sept. 2018.