Quantidade ou qualidade: o que vale mais na produção científica?

Dicas para aumentar a quantidade e a qualidade da sua produção científica.

Os cientistas freqüentemente questionam sobre o que vale mais: quantidade ou qualidade na produção científica? Tempo e esforço devem ser gastos para produzir poucos documentos de alta qualidade ou para produzir muitos trabalhos de qualidade inferior? Apesar dessa percepção, alguns estudos indicam uma relação oposta. Há evidências de que a produtividade (publicação de mais artigos) está associada positivamente ao aumento da qualidade do artigo (medida pelo número de citações).

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Ainda na década de 80, mais precisamente em 1986, Lawani [1] realizou estudos bibliométricos que sugeriram que na pesquisa do câncer a quantidade e a qualidade da produção de um país estavam altamente associadas. As evidências do estudo demonstraram que essa relação vale também para o indivíduo. Em outras palavras, aqueles que produzem mais, também produzem melhor.

A partir de suas análises, o autor estabeleceu também que a qualidade pode gerar quantidade pois, uma vez que o pesquisador tenha sido reconhecido pela qualidade do seu trabalho, recursos para pesquisa tornaram-se mais prontamente disponíveis para ele, incentivando-o a dedicar mais tempo à pesquisa e publicação. No processo, um produtor de qualidade também se torna um produtor de quantidade.

Saltando para 2010, Abramo, D’Angelo e Costa [2] realizaram um estudo sobre a produção científica da Itália de 2001 a 2005. Os resultados mostraram que a produção de pesquisadores mais produtivos é superior em qualidade à produção de pesquisadores menos produtivos.

Em artigo publicado em 2016, Huang [3] relatou uma correlação positiva entre fator de impacto e número de artigos em periódicos acadêmicos. Revistas de alto impacto publicam mais artigos. Qualidade e quantidade estão positivamente correlacionadas. Esta é uma tendência comum em diferentes disciplinas, conforme revelado pelos dados empíricos. Corroborando essa percepção, Sandström e van den Besselaar [4] em artigo publicado também em 2016 afirmam que “há uma forte correlação entre produtividade (número de artigos) e impacto (número de citações), que também se aplica à produção de artigos de alto impacto: quanto mais artigos, maior o impacto”.

Segundo os autores, do ponto de vista da produtividade, há retornos marginais positivos constantes ou crescentes para a maioria dos campos de conhecimento. Nesse sentido, o aumento da produtividade do sistema de pesquisa não é um efeito perverso dos sistemas de avaliação orientados para a produção, mas um desenvolvimento positivo. Afirmam que a produtividade aumenta fortemente a ocorrência de descobertas e invenções importantes, como seria de esperar numa perspectiva teórica da criatividade científica. Entretanto, corre-se o risco de confundir qualidade com quantidade. 

Em 2017, Michalska-Smith e Allesina [5] examinaram essa questão de uma maneira inovadora, comparando a produção e citação de artigos de membros da Academia Nacional de Ciências com eles mesmos ao longo dos anos e descobriram que o artigo mais citado de um membro em um determinado ano teve mais citações em anos mais produtivos do que em anos menos produtivos. Assim, a análise revelou que, para produzir artigos de alto impacto, certos níveis de produção parecem ser necessários – claro que, ao mesmo tempo, dependem de qual campo está sendo estudado.

De qualquer modo, há diversos fatores que podem afetar a produtividade da pesquisa: escassez de tempo, dificuldades de redação, etc., alguns deles relacionam-se às dificuldades de obtenção de financiamento e outros a estilos de trabalho. De acordo com Forero e Moore (2016) [6], alguns artigos fornecem sugestões para cientistas em início de carreira (estudantes de doutorado e pós-docs), mas poucas publicações são orientadas a professores, abordando questões sobre liderança científica. Como a orientação científica pode ser útil para todos os pesquisadores, independente dos níveis de experiência, os autores têm algumas sugestões para melhorar a eficiência e a produtividade em atividades acadêmicas e de pesquisa. Siga estas dicas:

Reuniões desnecessárias interrompem a produtividade científica. Normalmente, a agenda diária de um professor universitário é atormentada por longas reuniões. Em muitos casos, essas reuniões presenciais podem ser substituídas por estratégias mais eficientes, como o uso de ferramentas on-line para a redação colaborativa ou para a votação de opiniões. Em outros casos, o uso de uma agenda pré-definida e curta pode levar a reuniões mais curtas e mais produtivas e proporcionar mais tempo para as atividades científicas.

A falta de prioridades claras afeta a ciência. Como em outras áreas altamente competitivas, é necessário ter prioridades claras e consistentes. A adesão a essas prioridades deve ser evidente nas atividades diárias, evitando dedicar muito tempo (mais do que o necessário ou planejado) em outras tarefas (por exemplo, tarefas de ensino ou administrativas) e ser capaz de trabalhar duro e constantemente em tópicos de pesquisa.

Ter mais de um emprego é bom para o dinheiro, mas negativo para a produtividade. Em certas áreas, é comum que os profissionais tenham mais de um emprego, principalmente devido a razões econômicas. Embora possa levar a um rendimento mais elevado, é geralmente negativo para a produtividade científica e a qualidade de vida. Uma carreira científica implica a necessidade de uma dedicação que vai além de 40 horas por semana, para poder trabalhar duro e concentrar-se nas atividades de pesquisa.

Depender muito de colaborações é indesejável. Um aspecto fundamental de se tornar um cientista independente é a possibilidade de liderar projetos e iniciativas, o que implica a transição para se tornar um pesquisador principal em projetos de pesquisa e um autor correspondente em artigos. Embora os cientistas que dependem muito de publicações lideradas por outros possam aparecer como pesquisadores independentes e produtivos (alta contagem de publicações, fator de impacto cumulativo e índice h, entre outros), é fácil detectá-los através da análise bibliométrica, um processo usualmente realizado pelos comitês de análise dos órgãos de financiamento. 

A falta de colaborações é negativa para a pesquisa. A ciência é atualmente caracterizada por colaborações interdisciplinares, interinstitucionais e internacionais. Os cientistas que relutam em colaborar com outros grupos têm menor probabilidade de obter grandes doações ou serem publicados em revistas internacionais. Alguns mitos e medos pessoais que dificultam o desenvolvimento de colaborações podem ser superados.

Apontar muito alto ou muito baixo é contraproducente. Projetos de pesquisa que não têm como objetivo incorporar processos inovadores ou estudar novos tópicos têm mais problemas para serem financiados ou publicados. Por outro lado, de particular relevância para os cientistas dos países em desenvolvimento, o planejamento estratégico de um laboratório de pesquisa precisa ser ajustado à realidade do contexto, levando em conta os recursos locais disponíveis. Em muitos casos, o esforço científico é um processo gradual, começando com pequenos projetos e passando para propostas maiores.

Nunca se canse de escrever pedidos de financiamento ou papers. Normalmente, os fundos são o principal combustível para um laboratório. Se um professor se cansar de escrever pedidos de subvenção, isso significaria o fim do seu financiamento. O mesmo se aplica redação de papers. Resiliência contra falhas internas ou críticas externas ruins é um traço importante na ciência e o sucesso futuro em aplicações de subvenção dependerá dos produtos gerados por seus atuais projetos de pesquisa (desculpas ou reclamações não são produtos científicos).

Não delegue a liderança da pesquisa. Uma supervisão adequada e constante dos membros do laboratório é fundamental para o funcionamento satisfatório de um grupo de pesquisa. É possível delegar alguns deveres administrativos, científicos e acadêmicos, mas a supervisão geral e a liderança direta de um laboratório são de suma importância, levando em conta as implicações científicas, éticas e administrativas de delegar responsabilidades-chave a pessoal sem treinamento ou experiência adequados. 

Tente criar um ambiente de trabalho positivo. A seleção do melhor pessoal científico disponível é a chave para o sucesso científico e uma educação adequada dos membros do laboratório geralmente cria um ambiente de trabalho positivo. Jovens cientistas que gostam de pesquisa e que estão abertos para receber treinamento e supervisão adequados são um ativo fundamental em um grupo.

Para concluir, mais pesquisas são necessárias para determinar que características diferenciam os cientistas e grupos de pesquisa altamente produtivos dos demais pesquisadores, ou se são inatas ou transferíveis. À medida que agências de financiamento, universidades e centros de pesquisa investem grandes quantias de dinheiro para obter uma melhor produtividade científica, um entendimento mais profundo desses fatores poderá gerar alto impacto acadêmico e social.


[1] LAWANI, S.M. Some bibliometric correlates of quality in scientific research. Scientometrics, v.9, n. 1-2, p. 13–25, 1986. doi: 10.1007/BF02016604

[2] ABRAMO, G.;, D’ANGELO, C.A.; COSTA, F.D. Testing the trade-off between productivity and quality in research activities. Journal of the American Society for Information Science and Technology, v.61, n.1, p. 132–140, 2010. doi: 10.1002/asi.21254

[3] HUANG, D.W. Positive correlation between quality and quantity in academic journals. Journal of Informetrics, v.10, n.2, p. 329–335, 2016. Doi: 10.1016/j.joi.2016.02.002

[4] SANDSTROM, U. ; van den BESSELAAR, P. Quantity and/or Quality? The Importance of Publishing Many Papers. PLoS ONE, v.11, n.11, 2016, e0166149. http://doi.org/10.1371/journal.pone.0166149

[5] MICHALSKA-SMITH; M. J., ; ALLESINA, S. And, not or: Quality, quantity in scientific publishing. PLoS ONE, v.12, n.6, 2017. e0178074. http://doi.org/10.1371/journal.pone.0178074

[6] FORERO, D. A.; MOORE, J. H. Considerations for higher efficiency and productivity in research activities. BioData Mining, v.9, n. 35, 2016. Disponível em:<http://doi.org/10.1186/s13040-016-0115-3>

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Como citar este post [ABNT/NBR 6023/2002]:

DUDZIAK, E.A. Quantidade ou qualidade: o que vale mais na produção científica? São Paulo: SIBiUSP, 2018. Disponível em: <https://www.aguia.usp.br/?p=26035> Acesso em: DD mês. AAAA.