Declaração de Haia completa um ano: acesso aberto a dados, fatos e ideias

Hague_Declaration_LIBER_2016
LIBER Annual Conference, Helsinki, 2016

SIBiUSP 2016

Por: Elisabeth Dudziak

Há um ano foi lançada a Declaração de Haia, um documento que explicita a visão da comunidade acadêmica européia sobre a avalanche de dados em meio digital e o envolvimento de políticos e as partes interessadas, tais como bibliotecas, as pequenas e médias empresas, editores e cientistas cidadãos. Durante a Conferência Anual da LIBER (Ligue des Bibliothèques Européennes de Recherche – Association of European Research Libraries), em Helsinki, Finlândia, este mês, a determinação em tornar dados de pesquisa abertos e acessíveis foi reforçada, segundo três direcionamentos: (a) habilitar a ciência aberta; (b) liderar a mudança acadêmica; (c) moldar a pesquisa inovativa. 

“Ao eliminar barreiras ao acesso e analisar a riqueza de dados produzidos pela sociedade, podemos encontrar respostas para grandes desafios como as alterações climáticas, esgotamento dos recursos naturais e globalização.” 

A Declaração de Haia [1] foi pensada na comunidade científica por conta da forte sensação que havia de que o acesso ao conhecimento – a possibilidade de inovar, aprender e crescer – devia ser um direito de todos os cidadãos da União Européia, e não apenas daqueles que possuem vantagens financeiras ou acadêmicas. A Declaração, que descreve como isso pode ser alcançado a partir de políticas e práticas, foi rapidamente ganhando impulso. Um ano após seu lançamento, 766 organizações e indivíduos são signatários da Declaração. 

The Hague Declaration 2015

As novas tecnologias estão revolucionando a forma como os seres humanos podem aprender sobre o mundo e sobre si mesmos. Estas tecnologias não são apenas um meio de lidar com o Big Data [2], elas também são a chave para a descoberta de conhecimento na era digital; e o seu poder baseia-se na crescente disponibilidade de dados. Fatores como o aumento do poder da computação, o crescimento da web e o compromisso governamental com o acesso aberto à pesquisa financiada com recursos públicos servem para aumentar a disponibilidade de fatos, dados e ideias.

No entanto, as estruturas legislativas atuais em diferentes jurisdições legais não expressam o apoio a essas novas abordagens de realização de pesquisas, em especial, a mineração de conteúdo. A mineração de conteúdo é o processo de obtenção de informações a partir de material legível por computador, a partir da cópia de grandes quantidades de material, extraindo dados e recombinando-a para identificar padrões e tendências.

Ao mesmo tempo, as leis de propriedade intelectual, copyright e leis de patentes são de uma época anterior ao advento da web e, portanto, limitam o poder das técnicas de análise de conteúdo digital, como a mineração de textos e dados ou a mineração de conteúdo. O potencial para extrair benefícios significativos a partir deste trabalho tem sido limitado devido a incertezas jurídicas em curso e restrições. Esses fatores também estão criando desigualdades no acesso à descoberta de conhecimento na era digital, ao restringir a capacidade do usuário executar análises detalhadas de conteúdo.

“A propriedade intelectual não foi concebida para regular o fluxo livre de fatos, dados e idéias, mas tem como principal objetivo a promoção da atividade de pesquisa”. 

Os pesquisadores devem ter a liberdade para analisar e perseguir sua curiosidade intelectual sem medo de monitoramento ou repercussões. Estas liberdades não devem ser afetadas no ambiente digital. Da mesma forma, a ética em torno do uso de mineração de dados e conteúdos continuam a evoluir em resposta às mudanças de tecnologia. 

A análise de computador de conteúdo em todos os formatos, que é a mineração de conteúdo, permite o acesso ao conhecimento público desconhecido e fornece insights importantes em todos os aspectos da nossa vida econômica, social e cultural. A mineração de conteúdo também terá um profundo impacto na compreensão da sociedade e os movimentos sociais (por exemplo, a previsão de levantes políticos, análise de mudanças demográficas). O uso de tais técnicas tem o potencial de revolucionar a forma como a pesquisa é realizada – tanto acadêmica quanto comercial.

Benefícios da Mineração de Conteúdo

Os benefícios potenciais da mineração de conteúdo são vastas e incluem:
• Enfrentar grandes desafios como as alterações climáticas e as epidemias globais
• Melhorar a saúde da população, riqueza e desenvolvimento
• Possibilitar a criação de novos postos de trabalho e emprego
• Aumentar exponencialmente a velocidade e o progresso da ciência através de novas ideias e maior eficiência da pesquisa
• Aumentar a transparência dos governos e suas ações
• Promover a inovação e colaboração e aumentar o impacto da ciência aberta
• Criar ferramentas para a educação e a pesquisa
• Proporcionar novas e mais rica percepções culturais
• Acelerar o desenvolvimento econômico e social em todas as partes do globo

De acordo com a Declaração de Haia, sempre que as estruturas de direitos autorais atuais não suportem essa visão, os legisladores necessitam trabalhar imediatamente para apoiar a introdução de alterações que permitam aos usuários realizar mineração de conteúdo dos materiais a que têm acesso legal. Caso sejam introduzidas exceções ou limitações na lei de copyright para permitir a mineração de conteúdo, estas devem ser obrigatórias e não podem ser substituídas por contratos.

Ainda segundo a Declaração, quando os financiadores de pesquisa ou outros organismos requerem, e os autores desejam, os resultados da pesquisa devem estar disponíveis sob licenças flexíveis para publicações e CC0 – Creative Commons para dados de pesquisa. Cada universidade, organização de pesquisa, financiador de pesquisa e empresa precisam assegurar que suas políticas defendam a mineração de conteúdo como metodologia de pesquisa que tem o potencial de transformar a forma como a pesquisa é realizada. O crescimento do acesso aberto e dados abertos tem sido, e continuará a ser, um fator-chave da mineração conteúdo. Nesse contexto, os pesquisadores devem ser reconhecidos como autores e produtores de dados, sempre que possível. Universidades, organizações de pesquisa, instituições de pesquisa e empresas devem considerar a introdução de incentivos para recompensar aqueles que usam as atividades de mineração de conteúdo, assim como zelar pela manutenção e desenvolvimento de infra-estruturas de repositório para fornecer armazenamento e acesso a publicações que podem legalmente ser disponibilizadas para a mineração de conteúdo. 

Os padrões abertos, como XML e JSON para transporte de dados, ORCID para IDs de autor e licenças Creative Commons para as necessidades de licenciamento abertos devem ser utilizados sempre que possível. Caso o material seja disponibilizado sob uma licença CC-BY (licença mais abrangente em termos de reuso e que permite, inclusive, uso comercial), os criadores de conteúdo precisam tornar disponíveis para download o XML ou outro formato de arquivo de alta qualidade, imagens de alta resolução, com suporte de dados por trás das imagens; o pré-print do artigo. As bibliotecas têm o papel assegurar a formação de pesquisadores na mineração de conteúdo (mining literacy), incluindo aconselhamento jurídico. 

A LIBER (Association of European Libraries Research) tem sido fundamental na articulação das partes interessadas na adoção e desenvolvimento da Declaração de Haia.

 Hague Declaration Signatories

== Notas e Referências ==

[1] THE HAGUE Declaration. May 2015. Disponível em: <https://www.ifla.org/publications/the-hague-declaration-on-knowledge-discovery-in-the-digital-age-2015/> Acesso em: 16.02.2023. 

[2] Big Data: termo que descreve o imenso volume de dados – estruturados e não estruturados – em ambiente digital. 

Como citar este post [ABNT/NBR 6023/2002]:

DUDZIAK, Elisabeth. Declaração de Haia completa um ano: acesso aberto a dados, fatos e ideias. 2016. Disponível em: <https://www.aguia.usp.br/noticias/declaracao-haia-ano/> Acesso em: DD mês. AAAA.

This article was published on Aug. 28